A problemática das cláusulas anticorrupção

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Ao transferir para o setor privado uma parte significativa da responsabilidade no combate à corrupção, as políticas governamentais compelem as empresas a adotarem medidas adequadas para prevenir e mitigar o risco da prática de atos de corrupção, quer pelos seus trabalhadores, quer pelos terceiros que atuam no seu nome e interesse, tais como os agentes, distribuidores, consultores e subcontratados, e por quem aquelas podem ser legalmente responsáveis se falharem o seu dever de vigilância ou controlo.

Com a crescente globalização do comércio e a proliferação de leis anticorrupção de aplicação extraterritorial – como sejam o norte-americano FCPA, o UK Bribery Act e, mais recentemente, a francesa Sapin II e a brasileira Lei da Empresa Limpa – uma das medidas consideradas adequadas é o recurso (cada vez mais comum) às cláusulas anticorrupção nos contratos comerciais (também conhecidas por “cláusulas de compliance” quando regulam outras questões jurídicas).

Com efeito, as cláusulas anticorrupção, quando devidamente desenhadas e negociadas, têm um potencial importante de mitigação de risco legal, financeiro e reputacional das empresas, merecendo por isso a sua devida atenção.

Algumas organizações internacionais dedicadas ao combate à corrupção, nomeadamente a OCDE e a Câmara de Comércio Internacional, propõem modelos de cláusulas anticorrupção, mais ou menos abrangentes, que devem servir de guia às empresas. De forma geral, e embora o conteúdo das cláusulas efetivamente aplicadas varie de empresa para empresa, as cláusulas anticorrupção incluem (i) a proibição, quer das partes contratantes, quer dos terceiros sob quem exercem controlo ou influência, de praticar atos de corrupção no âmbito do contrato em causa, (ii) obrigações das partes adotarem mecanismos adequados de controlo e de cumprirem com o código de conduta da contraparte (geralmente, da que tem maior “peso” negocial) e (iii) direitos de inspeção e auditoria do cumprimento das cláusulas, bem como de cessação do contrato perante evidências de incumprimento material das referidas obrigações contratuais. Adicionalmente, estas cláusulas podem conter declarações e garantias de que as partes cumprem com as mais relevantes legislações anticorrupção, não praticaram e nem praticarão atos de corrupção relacionados com o contrato (ou seja, antes e durante a sua execução), nem foram (nem os seus acionistas, administradores e/ou diretores) investigadas, acusadas ou condenadas por crimes financeiros.

Quando implementadas no âmbito de um programa de compliance eficiente, é seguro dizer que a inclusão de cláusulas anticorrupção nos contratos de maior risco funciona como um relevante constrangimento à prática de corrupção no comércio internacional. Se, por um lado, estas cláusulas evidenciam o compromisso das partes com o cumprimento das leis anticorrupção, repercutindo-o na sua cadeia de valor e promovendo a confiança e a transparência entre as partes, por outro, permitem controlar e mitigar o risco de corrupção durante a execução do contrato, atuando como escudo de responsabilidade das empresas pela atuação dos seus parceiros de negócio e, bem assim, de responsabilidade pessoal dos seus administradores.

No entanto, para que sejam válidas, as cláusulas anticorrupção devem ser redigidas de forma equilibrada e dentro dos limites da lei aplicável, o que nem sempre parece ser o caso. Com efeito, assiste-se por vezes à imposição unilateral de obrigações legais e de conduta à parte economicamente mais fraca, sem margem de negociação, quer direta, quer indiretamente, por se considerar que a tentativa de alterar ou reduzir o âmbito das cláusulas anticorrupção tende a ser interpretado pelos compliance officers como um sinal de risco (vulgarmente  denominada de red flag). Ora, a imposição à contraparte de uma cláusula anticorrupção, sem real possibilidade de negociação, pode remetê-la para o regime legal das cláusulas contratuais gerais, mais exigente no que toca à sua validade.

Outras vezes, estas cláusulas criam um desequilíbrio grave das prestações entre as partes, correndo o risco de serem consideradas nulas. Pense-se no caso da empresa subcontratada portuguesa, de pequena dimensão (e para quem compliance é ainda apenas um anglicismo), a quem se exige que cumpra com as rigorosas legislações anticorrupção norte-americana e inglesa, mesmo quando estas não são aplicáveis, nos termos da lei, ao caso concreto, ou quando a empresa é obrigada a responsabilizar-se pela atuação dos seus fornecedores, independentemente de culpa. É também frequente a possibilidade de cessação imediata da relação comercial, pela parte não faltosa, com direito a indemnização pelos danos, pela mera suspeita de violação da cláusula ou normas anticorrupção pela contraparte, mesmo quando alheia à execução do contrato em causa.

Finalmente, também os extensos direitos contratuais de inspeção e auditoria do cumprimento das cláusulas anticorrupção, permitindo o acesso a informação sensível e confidencial, quer da empresa, quer dos seus administradores, cria um claro conflito com a leis de proteção de dados e segredos de negócio.

A inserção de cláusulas anticorrupção nos contratos a celebrar com os parceiros de negócio é definitivamente vantajosa, independentemente de a sua validade poder ser contestada judicialmente – o que dependerá em última instância das especificidades do caso concreto, nomeadamente da lei aplicável ao contrato em causa.

Fundamental é por isso que estas sejam redigidas de forma equilibrada e proporcional e sujeitas ao escrutínio de advogados conhecedores das diversas leis anticorrupção, bem como das práticas internacionais a este respeito, encorajando-se as partes à sua negociação objetiva e transparente.

Escrito por:
Joana Freitas
Advogada e especialista em Compliance