Corporate investigations e criminal compliance: duas realidades interligadas no combate à corrupção

A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2021, de 18 de março de 2021, estabeleceu como um dos seus objetivos prioritários a intervenção do setor privado “na prevenção, deteção e repressão da corrupção”1. Neste contexto, torna-se premente a instituição de programas de criminal compliance nas empresas privadas e, em especial, a previsão e regulação de investigações internas ou corporate investigations.

Estas investigações internas correspondem a uma fase dos programas de criminal compliance, consistem em averiguações realizadas pela própria empresa perante eventuais ilícitos, cujo objetivo é preservar e determinar a respetiva origem e os seus responsáveis, cenário que levanta várias questões, porém, vamos apenas, e brevemente, focar em duas delas.

Primeiramente, devemos identificar quais os limites dos poderes das empresas. Considerando que não existe, atualmente, uma regulação específica sobre esta matéria (exceto em alguns setores regulados, nomeadamente o bancário e o financeiro), as investigações internas desenvolvem-se segundo as regras definidas e assumidas por cada empresa, numa lógica de autorregulação.

Em concreto, desenvolvem-se ao abrigo do direito laboral. Ora, sendo a relação laboral intrinsecamente desequilibrada – o empregador, entidade que investiga, exerce poderes de supervisão, de direção e poderes sancionatórios sob os trabalhadores -, tornam-se evidentes as tensões entre as investigações internas e os direitos dos trabalhadores. Por exemplo, podem ser realizadas entrevistas aos trabalhadores sob a máxima talk or walk, aceder a documentos guardados no computador do trabalhador ou intercetar o seu correio eletrónico sem qualquer advertência prévia.

Desta forma, o primeiro requisito para a validação das investigações internas é o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, independentemente dos benefícios e vantagens que a empresa esteja a procurar obter com a investigação – reduzir eventuais sanções, obter elementos que afastem a sua responsabilidade num futuro processo penal.

A segunda questão que as investigações internas levantam é a seguinte: como podem ser utilizados e valorados, num eventual e posterior processo penal, os elementos obtidos pelas empresas e entregues às autoridades públicas. Podem ser utilizados como prova para deduzir acusação ou fundamentar uma condenação? Ou apenas podem servir como fonte de informação para a investigação criminal?

Com efeito, podemos estar perante elementos que dificilmente seriam obtidos pelas autoridades, no entanto, estes não podem livre e acriticamente transitar e ser valorados num processo penal. Em especial, deve ser feita a necessária distinção entre os meios de prova – documental e pessoal. Por exemplo, os documentos obtidos nas investigações internas, em princípio, podem transitar de um processo para outro, desde que (i) se garanta o contraditório sobre os mesmos e (ii) tenham sido obtidos licitamente, com respeito pelos direitos fundamentais. Pelo contrário, a prova pessoal obtida – entrevistas realizadas aos trabalhadores – terá que ser repetida no próprio processo penal e, mais precisamente, na audiência de julgamento (com algumas exceções previstas na lei).

Ou seja, apesar de as empresas terem instrumentos de combate à corrupção – a possível implementação de programas de criminal compliance e realização de investigações internas – existem várias (e necessárias) limitações e constrangimentos.

Em suma, não basta a intervenção do setor privado nesta luta, é necessária a intervenção do legislador penal, por forma a, por um lado, atribuir relevância expressa no processo penal aos programas de criminal compliance e às investigações internas e, por outro lado, equacionar a adoção de novas soluções dinâmicas de valoração dos elementos obtidos pelas empresas nas investigações internas.

Carolina Inverno Branco

Colaboradora do NOVA Compliance Lab

Associada na PLMJ Advogados

1 Disponível em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3d%3dBQAAAB%2bLCAAAAAAABAAzNDAxMQAAnRDZFAUAAAA%3d.

Disclaimer: o presente artigo reflete apenas os pontos de vista e opiniões da autora.