A boa governança em Espanha – Plano de Recuperação e Resiliência e Ordem HFP/1030/2021

O Mecanismo de Recuperação e Resiliência, criado através do Regulamento (UE) 2021/241, visa prestar apoio financeiro direto aos Estado-Membros, permitindo-lhes intensificarem a execução de reformas sustentáveis, melhor lidando com os efeitos da COVID-19 e aumentando a resiliência da União em setores vitais.

O plano de recuperação e resiliência (PRR) de cada Estado-Membro deve prever um conjunto de “planos (…) sistemas e (…) medidas concretas (…) para prevenir, detetar e corrigir conflitos de interesses, corrupção e fraude”, assegurando “a prevenção e a repressão eficazes” e devem ser dotados de “sistema de controlo interno eficaz e eficiente e recuperar os montantes indevidamente pagos ou utilizados de forma abusiva”.

A 29 de setembro[1] a Espanha aprovou a Ordem HFP/1030/2021, regulando o sistema de gestão do PRR, sendo do maior relevo o artigo 6º, visando o reforço dos mecanismos de prevenção, deteção e correção de fraude, corrupção e conflito de interesses, estabelecendo que qualquer entidade que participe na atribuição e/ou execução das medidas do PRR disponha de “Plano de medidas anti fraude” para proteção dos interesses financeiros da UE – agregando dois Anexos (II.B.5, questionário de autoavaliação relativo a um standard mínimo, e III.C, contendo orientação sobre aquelas medidas), de molde a garantir uma homogeneidade de ação, sendo obrigatório que os órgãos gestores procedam à avaliação do risco de fraude, ao preenchimento da Declaração de Ausência de Conflito de Interesses e disponibilizem um procedimento para abordar conflitos de interesses.

Dos requisitos mínimos do “Plano de medidas antifraude” devem constar:

– a estruturação das medidas antifraude proporcionais à consecução do ciclo antifraude (“prevenção, deteção, correção e persecução”);

– a previsão de realização de avaliação de risco, impato e probabilidade de risco de fraude nos processos chave de execução do PRR e sua revisão periódica e sempre que se detetem casos de fraude ou mudanças significativas de procedimentos ou pessoal;

– a definição de medidas preventivas adequadas e proporcionais para reduzir em concreto o risco residual de fraude a um nível aceitável;

– a previsão de medidas de deteção ajustadas aos sinais de alerta, definindo procedimentos para a sua efetiva aplicação;

– a definição de medidas adequadas à correção das situações suspeitas de fraude, comunicando-as de forma eficaz, estabelecendo processos adequados para acompanhamento daquelas situações e recuperando os fundos comunitários utilizados fraudulentamente;

– a definição de procedimentos que permitam acompanhar o tratamento conferido a situações de potencial ou efetiva fraude, permitindo rever as avaliações de risco de fraude;

– a obrigatoriedade de subscrição de Declaração de Ausência de Conflito de Interesses pelas entidades participantes em procedimentos de execução de PRR, com comunicação de existência de qualquer situação potencial de conflito de interesses ao superior hierárquico, ao qual caberá implementar as necessárias medidas para superar os problemas.

Detetada que seja uma situação de possível fraude ou uma fundada suspeita de tal ocorrência, a analisada norma da Ordem HFP/1030/2021 especifica uma quíntupla obrigação:

–  imediata suspensão do procedimento, comunicando a ocorrência no mais curto espaço de tempo possível às autoridades e organismos conexos à realização daqueles e revisão dos projetos, subprojectos ou linhas de ação passíveis de contaminação;

– comunicação das medidas adotadas à entidade decisora, ou à entidade executora que encomendou a execução daquelas práticas (neste caso, cabendo-lhe a transmissão à primeira);

– denúncia da ocorrência às autoridades públicas competentes, nomeadamente ao Serviço Nacional de Coordenação Antifraude, para avaliação e eventual comunicação ao Organismo Europeu de Luta Antifraude;

– execução de procedimento interno para apuração de responsabilidades ou de processo disciplinar;

– Denúncia dos fatos ao Ministério Público.

Finalmente, caberá à entidade avaliar a incidência da possível fraude, verificando se a mesma é sistémica ou pontual, eliminando os projetos (ou seus componentes) conspurcados pela fraude e que sejam financiados (ou possam vir a ser financiados) pelo PRR.

Na prática, da Ordem HFP/1030/2021 emerge a imposição legislativa da existência de planos de avaliação e gestão de riscos, due diligence e programa de compliance nas entidades, públicas e privadas, envolvidas na tomada de decisão de atribuição de fundos e sua execução ao abrigo do PRR.

E Portugal? Não obstante a Estratégia Nacional Anticorrupção introduzir obrigações de adoção de programas de “cumprimento normativo no setor público”, almejando promover a ética na gestão da res publica, um “verdadeiro sistema de prevenção da corrupção” demanda esforços mais impositivos e abrangentes, numa abordagem holística acentuando, na compliance, a relevância da due diligence, necessariamente precedidas de uma adequada avaliação e gestão de riscos – não apenas relativamente à execução do PRR.

André Ferreira de Oliveira

Colaborador do NOVA Compliance Lab


[1] A par da Ordem HFP/1031/2021, estabelecendo o procedimento e formato da informação a prestar pelas entidades do setor público para cumprimento do PRR.

Disclaimer: o presente artigo reflete apenas os pontos de vista e opiniões do autor