O tratamento de denúncias – Investigações internas de denúncias[1]

A Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que estabelece o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, no seu Artigo 11.º, n.º 2 prevê que:

“No seguimento da denúncia, as entidades obrigadas praticam os atos internos adequados à verificação das alegações aí contidas e, se for caso disso, à cessação da infração denunciada, inclusive através da abertura de um inquérito interno ou da comunicação a autoridade competente para investigação da infração, incluindo as instituições, órgãos ou organismos da União Europeia.”

Entende-se que as organizações, ao praticarem atos internos adequados à verificação das alegações aí contidas, estão, na prática, a efetuar investigações internas.

Uma investigação interna, no âmbito da Lei n.º 93/2021, no meu entendimento, tem como principal objetivo o de “confirmar”, “confirmar parcialmente” ou “não confirmar” as alegações de atos ilícitos presentes em uma denúncia interna.

Uma denúncia interna depois de rececionada e decidido o seu seguimento, deve ser entregue a uma equipa com competências específicas, tanto no que respeita às softskills apropriadas, como a um profundo conhecimento sobre a organização, nomeadamente, sobre os processos associados à investigação, assim como, sobre toda a legislação que pode ser violada no curso de uma investigação, com relevância para a laboral, penal, processo penal e proteção de dados.

A capacidade da organização para investigar internamente poderá requerer investigadores com funções exclusivas para tratar as denúncias internas, porque o tempo exigido pelas investigações pode ser bastante demorado. Dependendo do domínio da denúncia, outras funções especializadas podem ser convocadas para participar na investigação. Um apoio jurídico constante é fundamental.

Na generalidade dos casos, tratar denúncias internas configura uma nova função independente e imparcial, podendo a organização ter de assegurar a formação adequada, para garantir as competências necessárias para investigar com eficiência e em conformidade. A formação é, assim, um dos fatores críticos de sucesso para a conformidade das organizações com a Lei n.º 93/2021. Neste âmbito, destaco outros fatores críticos de sucesso, tais como:

  • Uma plataforma online que permita rececionar e tratar as denúncias internas, garantindo uma comunicação efetiva com o denunciante, assim como que assegure o seu anonimato (se por este desejado) e a confidencialidade das informações. Esta plataforma, ao tornar possível integrar em si toda a informação associada ao tratamento da denúncia interna, permitirá uma gestão da investigação interna mais eficiente.
  • Um local de acesso discreto e insonorizado para a realização das entrevistas investigativas de forma a garantir a sua confidencialidade.
  • O acesso pelo investigador, de forma autónoma, à informação presente nos sistemas de informação da organização. Esta autonomia é fundamental para reforçar a confidencialidade.
  • No processo de investigação interna, garantir que as participações das testemunhas e da pessoa visada sejam voluntárias. A presunção de inocência da pessoa visada deve estar sempre presente e é necessário dar-lhe a conhecer todas as alegações de ilícitos feitas a seu respeito, assim como, todas as informações até ao momento recolhidas e, também, a oportunidade de se defender. É necessário informar a pessoa visada sobre o seu direito de não se auto incriminar.
  • As evidências devem ser obtidas sem violar os direitos fundamentais da pessoa visada. Na recolha de informação através de entrevistas investigativas é necessário prevenir a contaminação das evidências, não se podendo obter respostas sugeridas, ou através de coação.
  • A confidencialidade, o anonimato, a proibição de retaliação e os direitos definidos no Regime Geral de Proteção de Dados (“RGPD”) têm de ser assegurados em todo o tratamento e para além dele.

A credibilidade e validade de uma investigação interna dependerá da observação de todos os fatores críticos de sucesso acima enunciados.

No final da investigação, a conclusão poderá ser:

  1. As alegações foram confirmadas.
  2. As alegações foram parcialmente confirmadas.
  3. As alegações não foram confirmadas.

Os dois primeiros casos podem resultar na abertura de um inquérito interno ou na comunicação à autoridade competente para investigação da infração.

É importante refletir que, enquanto as autoridades públicas competentes têm legislação específica para as investigações que efetuam, do lado das organizações, não existe legislação específica que preveja como é que as investigações internas devem ser conduzidas.

Esta é uma enorme preocupação para as organizações, na medida em que, no decurso das investigações internas, se alguma lei for violada, mesmo que por ignorância, os riscos de sanções e de reputação podem ser significativos.

Face a esta exigência legal, é pertinente as organizações refletirem se estão preparadas para efetuarem investigações internas e sobre o que precisam de garantir para o fazerem com eficiência e em conformidade. Este texto teve o propósito de contribuir com algumas pistas para que essa reflexão seja mais objetiva.

Luis Fonseca
Encarregado da Proteção de Dados (certificado) e Coordenador de Segurança Económica (resposta ao canal de denúncias, pré-avaliação (due diligence) a entidades terceiras e prevenção e investigação de fraude) na Auchan Retail Portugal. Durante cerca de 10 anos foi auditor interno, gestor de riscos operacionais e analista de fraude na mesma empresa.

RESUMO CURRICULAR DE LUIS FONSECA:
Licenciado em Gestão de Empresas.
Programa de Gestão de Informação e e-business.
Pós-Graduação em Gestão e Direção de Segurança.
Pós-Graduação em Direito da Proteção da Dados.
Mestre em Auditoria (Bolsa de Mérito).
4 anos no Programa de Doutoramento em Gestão da Informação.
Teoria dos Jogos aplicada às Ciências Jurídicas.
Curso Avançado em Cibersegurança, Ciberdefesa e Exercícios de Gestão de Crises no Ciberespaço.
Curso DPO PRO – O Encarregado da Proteção de Dados.
Curso de Compliance para a Prevenção da Corrupção.
Curso Prático Intensivo de Auditoria Interna.
Formação de Formadores – IEFP.
Colaborador do Nova Compliance Lab da Nova School of Law.
Tem vários artigos e capítulos de livros publicados, efetuou apresentações em congressos nacionais e internacionais, é orador convidado e formador em cursos de RGPD e de temas associados ao Compliance, Canais de Denúncias, Entrevistas Investigativas, Auditoria, Controlo Interno, Gestão de Riscos e Análise de Dados, principalmente em universidades e em contexto profissional.
Membro da Ordem dos Contabilistas Certificados, Ordem dos Economistas e da Associação dos Examinadores de Fraude Certificados.
Email: lpfonseca@gmail.com
LinkedIn: linkedin.com/in/luis-fonseca-26b97b


[1] Este texto é baseado na experiência do autor, é da sua inteira responsabilidade e tem o objetivo de contribuir para um maior conhecimento sobre investigações internas.

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